Olhar Crítico - Comunica Digital

Um olhar sobre economia, educação, filosofia e política.

ISSN 1808-785X

Diagnóstico delirante?

Helder Gomes

Helder Gomes, doutor em Política Social e mestre em Economia (UFES).

Por volta de 1974, o economista Edmar Bacha ficou conhecido como um dos difusores do termo Belíndia. Com essa expressão, analistas procuravam mostrar os prováveis cenários que resultariam da política econômica dos governos militares da época, a partir de uma projeção sobre o aprofundamento das discrepâncias sociais no Brasil. Estaria em andamento, naquele momento, um distanciamento ainda maior entre o padrão de vida de uma elite minoritária, próximo ao da Bélgica, em relação ao crescimento da pobreza extrema, que levaria a grande maioria da população do país a assemelhar-se cada vez mais com o modo de vida das massas populares na Índia.

Mais recentemente, a tal Belíndia passou a ser ilustrada, não como cenários prováveis, mas, como retrato fiel da nossa realidade, em que um pequeno número de privilegiados vivem, por exemplo, em apartamentos de luxo que comportam varandas equipadas com piscinas e tudo. Vivem protegidos, por muros, de quem quase não tem como viver, dadas as condições extremamente precárias dos milhares de lares segregados, inclusive em nossa principal e rica metrópole, São Paulo: a locomotiva da nação.

Essa combinação perfeita resulta da visão tacanha, que procura refazer de tempos em tempos um mexido do mito do Brasil-potência com a síndrome de vira-lata das elites nacionais. Sua mediocridade se revela de escândalo em escândalo, em sua trajetória subalterna aos interesses do grande capital sediado longe daqui. Isso, porque é da natureza dos seus arranjos políticos mesclar modernização do Estado com toda sorte de informalidade, em suas operações fundamentais: garantir a transferência de riquezas para as grandes potências imperialistas e procurar, de alguma forma, lícita ou ilícita, se apropriar das migalhas deixadas para trás, nos rastros da exportação de nosso patrimônio natural.

Num artigo anterior, alertei para a necessidade de prestarmos a devida atenção a uma matéria da Revista Piauí, com o sugestivo título “Os 300 de Luxemburgo”, a qual apresenta um desses escândalos reveladores:

 

Pelo menos 358 pessoas com nacionalidade brasileira ou residência no Brasil são beneficiárias finais de 448 empresas em Luxemburgo, um dos principais paraísos fiscais do mundo. Os ativos dessas companhias somavam ao menos 112,6 bilhões de euros, ou 722,6 bilhões de reais em valores corrigidos.

Neste artigo, procuro apresentar alguns indicadores de que os bilhões de dólares registrados anualmente como investimento de empresas brasileiras no exterior podem ser, provavelmente, fugas para preservação das migalhas mencionadas acima, mesmo que parte desse grande volume de riquezas esteja sendo orientado para aplicações de alto risco. Afinal, há muito, o mundo de quem tem algum virou um verdadeiro cassino global.

Como a curiosidade é tamanha, recorri às chamadas tabelas especiais, que encontramos na página do Banco Central do Brasil. Ali, podemos ver que Luxemburgo está longe de ser o principal destino dos recursos orientados para o exterior sob a rubrica de investimentos de empresas tidas como brasileiras fora do país.

Para os propósitos desse pequeno texto, selecionei 5 maiores destinos em volume de dólares remetidos ao exterior na rubrica IDE (Investimento Direto Estrangeiro). Conforme verificado na tabela publicada na página do Banco Central na Internet, com o título “Investimento brasileiro direto – Posição em participação no capital (Distribuição por país)”, podemos verificar que quase 60% do volume remetido com essa denominação de investimento direto no exterior foi destinado a países bastante peculiares, no período de 2010 a 2019. Dos aproximadamente 2,9 trilhões de dólares, em 10 anos, cerca de 1,7 trilhão foi orientado para aplicações nas Ilhas Cayman, Países Baixos, Ilhas Virgens Britânicas, Bahamas e Luxemburgo.

Podemos observar, a título de comparação, numa outra tabela (“Distribuição por setor da empresa investida”) consultada na página do Banco Central, a distribuição desse total remetido sob a rubrica de IDE também em termos setoriais. No período de 2010 a 2019, à agricultura, pecuária e extrativa mineral, teriam sido destinados cerca de 20,27% do total de IDE no exterior, enquanto à indústria 12,54% e aos serviços 66,74%.

Ao abrir essa conta serviços, é possível observar que, do total remetido nessa rubrica, 77,14% correspondeu a operações ditas financeiras, o que também é bastante sugestivo à hipótese de fuga especulativa de boa parte do capital aplicado sob a denominação IDE de empresas tidas como brasileiras no exterior.

Mas, por que, afinal, eu insisto nesse tema? Talvez seja um delírio, mas, está ficando cada vez mais nítido para mim a necessidade de aprofundarmos as investigações sobre os descaminhos das famosas políticas de reinserção competitiva da economia brasileira e de promoção das chamadas campeãs nacionais que, ao contrário de uma ponte para o futuro, nos atolaram, ainda mais, no lamaçal da mediocridade das elites subalternas brasileiras, em sua fuga descontrolada para o reino da malandragem globalizada.

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