Olhar Crítico - Comunica Digital

Um olhar sobre economia, educação, filosofia e política.

ISSN 1808-785X

Um domingo difícil de esquecer em Cuba*

Coletivo de Estudos sobre a Revolução Cubana (CERC)

O domingo cubano costuma ser marcado por descanso, no âmbito familiar, com café e em cadeiras de balanço. No último domingo, dia 11 de julho de 2021, uma movimentação particular em Cuba concentrou a atenção do mundo na Ilha. Uma parcela da população cubana foi às ruas em várias províncias e cidades do país, em diferentes quantitativos e apresentando demandas diversas. A partir disso, em todo o mundo as forças políticas de esquerda, de direita (e de extrema-direita), em sua heterogeneidade e multiplicidade de expressões, têm emitido posicionamentos públicos.

Nestas breves notas propomos entender as manifestações em Cuba a partir de duas dimensões que compõem uma mesma totalidade: o bloqueio econômico contra Cuba; e as condições concretas de vida do povo cubano.

Não é mera retórica reivindicar o fim do bloqueio econômico contra Cuba e, colocar, sobre ele, o peso de grande parte dos desafios econômicos que o país enfrenta desde a sua imposição a partir de 1962. É devido ao bloqueio econômico (comercial, financeiro, tecnológico), que o país ainda possui dificuldades imensas para produzir e acessar uma série de produtos e serviços indispensáveis à sobrevivência da população. Se a crítica ao fato de o Governo Cubano até a atualidade não ter conseguido avançar com uma proposta de modelo econômico que alcance a soberania alimentar e de outros setores é pertinente, também o é o fato de não haver nenhum outro país no mundo que mantêm suas particulares relações de produção em oposição ao capitalismo, ao mesmo tempo em que convive com impedimentos para se relacionar comercialmente com o mundo inteiro. Tal bloqueio econômico, já rechaçado em Assembleia da ONU por 29 vezes, expressa um ato violento e demonstra a disposição dos EUA para a luta de classes contra qualquer alternativa oposta ao capital. Bloqueio econômico esse recrudescido durante o Governo de Donald Trump, quando impuseram 240 novas medidas contra o povo de Cuba, algumas delas em plena pandemia.

Mais medidas foram implementadas no governo de Joe Biden e a estas se somam a legislação estadunidense sobre o tema, imposta desde a década de 1960.

Na conjuntura recente de pandemia por COVID-19, o bloqueio econômico impactou significativamente as condições de acesso da população cubana também a medicamentos e utensílios de proteção contra a doença, como máscaras. Soma-se a isso os efeitos econômicos gerados pelas medidas de isolamento requeridas no enfrentamento da pandemia. Resultaram tanto na queda da entrada de divisas na ilha via turismo, como na redução no recebimento de remessas do exterior, o que agravou as condições de vida internamente. Nesse contexto, muitas doações enviadas à Cuba têm sido impedidas de chegarem ao país devido ao bloqueio econômico.

O bloqueio econômico contra Cuba é expressão histórica (até a atualidade) da ação política dos EUA, em evidente estratégia de estrangulamento econômico, com objetivo explícito de causar sofrimento à população. Para entender a realidade cubana, é fundamental compreender o efeito político, econômico e ideológico que exerce essa criminosa política.

No contexto mundial, presenciou-se o avanço da extrema-direita ultraliberal, vitoriosa em vários países, com atuação ofensiva também na região. Este movimento também afeta a dinâmica política em Cuba, que não pode ser compreendida fora das relações internacionais.

Como parte da mesma totalidade, o segundo aspecto que destacamos se refere às condições de vida concretas do povo cubano, que enfrenta a escassez de alimentos, de produtos diversos como combustível, a crise energética, a falta de medicamentos e outros. Além disso, há aspectos que caracterizam historicamente a ilha, como a baixa produção de matérias-primas, a condição de ilha, os desafios quanto a produtividade do trabalho e de gestão. Durante a pandemia, o PIB cubano sofreu uma retração de 11%, algo muito próximo de grande parte dos países da América Latina, e, além da escassez quanto a oferta de produtos diversos, há registros de longas e frequentes filas para o acesso a vários produtos.

No ano de 2021, o país deu início à unificação monetária e cambial, eliminando o CUC que circulava no país junto da moeda nacional; no bojo de tal reordenamento, promoveu a eliminação de subsídios e gratuidades identificadas como excessivas, realizou uma reforma salarial e de preços. O Ordenamiento Monetario estava previsto para ocorrer desde o início do processo de Atualização do Modelo Econômico e Social cubano. Portanto, houve planejamento e há anos a sociedade cubana estava consciente da importância desta mudança. Dentre os objetivos da unificação monetária, destacam-se a redução de distorções, de subsídios cruzados inadequados e de ineficiências no sistema empresarial, geradas a partir das transformações aprofundadas após o Período Especial. Essas mudanças têm sido realizadas em um momento marcado por adversidades, conforme exposto acima, o que tende a acirrar as contradições internas e tornar ainda mais complexas as transformações requeridas pelo processo revolucionário. Como parte do mesmo conjunto de mudanças, foram aprovadas medidas recentes de aumento dos salários e dos benefícios de aposentadorias, mas junto disso está em curso um aumento dos preços no mercado, o que também tem dificultado o acesso da população a alguns produtos.

Além destes fatores, registra-se uma ampliação do contágio e do número de mortos por COVID-19, muito modestas se comparadas a outros países, porém alarmante diante das incertezas locais. Cuba vive o pior momento da pandemia nestes últimos dias, o que aumenta a insatisfação popular. Ao mesmo tempo, avança em ritmo decidido a produção de vacinas nacionais. As candidatas Soberana 2 e a Abdala já superaram as três fases de pesquisa de forma muito completa, abarcando estudos de 3 doses e da segurança para utilização pediátrica para a primeira.

Este cenário, de muitos desafios sanitários, sociais e econômicos, movimenta a cena política, visto que há demandas concretas totalmente legítimas da população. Além das respostas na esfera econômica, é aspecto determinante na dinâmica política atual do país a habilidade do partido e do governo em responder às demandas dessa parcela da população.

O indicativo deve ser a via do diálogo e da participação popular, a mesma que em vários momentos caracterizou à Revolução Cubana e que possibilitou ao país enfrentar o período mais crítico até então, o Período Especial, aberto com o naufrágio acelerado e inadvertido do bloco soviético, fulcral nas relações internacionais da nação em transição ao socialismo.

Na ocasião das manifestações nas várias províncias e cidades, no mesmo domingo de 11 de julho de 2021, o Presidente Miguel Días-Canel foi ao local onde a movimentação foi iniciada, bem como mobilizou a população para sair em defesa da revolução. Em reposta, outra parcela da população aderiu e ocupou as ruas.

Daqui, seguimos acompanhando as transformações em Cuba, o papel da contrarrevolução fora de Cuba e a atuação das agências norte-americanas via financiamento de ações contra o país caribenho, buscando as informações que a grande mídia brasileira insiste em nos negar.

13 de julho de 2021


* Elaboração de Aline Fardin Pandolfi, Arelys Esquenazi Borrego e Aline Faé Stocco, Do Coletivo de Estudos sobre a Revolução Cubana (CERC)>.

Esta análise representa, outrossim, o entendimento de todo o coletivo. Também integram o CERC: André Dardengo, Camila Valadão, Gissele Carraro, Maite Hernandéz, Mario Mariano, Rodrigo Borges e Vinícius Querzone.

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