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ISSN 1808-785X

A (IN)visibilidade das mulheres nos monumentos públicos de Vitória

Penha Mara Fernandes Nader

Penha Mara Fernandes Nader, professora da EMEF EJA ASO, mestre em História Social das Relações Políticas pela UFES

Os monumentos erigidos em logradouros públicos são tributos da cidade às pessoas que de alguma forma ajudaram na construção desta mesma cidade. Não é qualquer pessoa que recebe uma honraria tão extraordinária, sobretudo se a homenagem é uma iniciativa do próprio poder público. Ter o nome dado a uma rua, avenida, ou mesmo um beco ou travessa, é ter o nome perenizado, eternizado como parte integrante da histórica da cidade.

Neste mês que lembramos a luta das mulheres, convém refletirmos sobre a desigualdade de gênero localizada exatamente no processo de desproporção de nomes masculinos e femininos nos logradouros de Vitória, presumivelmente a mais cosmopolita das cidades capixabas.

Vamos tomar como exemplo apenas os monumentos erguidos em honra de pessoas, aproveitando a deixa da jornalista Adriana Bravim, em seu Almanaque, em A Gazeta. Segundo o Catálogo dos Monumentos Históricos e Culturais da capital (WILLIS FARIA, 1992), dos 61 monumentos, 55 foram esculpidos como reconhecimento a pessoas. Destes, em apenas cinco as mulheres são homenageadas.

A construção dos monumentos de Vitória seguiu uma certa tradição patriarcal, com a maioria seguindo um mesmo padrão de importância: os homenageados são homens, brancos, com prestígio social e poder. A construção de quase todos se deu no século XX, à exceção de um ainda no final do século XIX (Henrique Moscoso, em 1891). Vale destacar que os temas de representação persistem em quase todos os lugares, resguardando suas particularidades regionais.

É possível observar que, durante o Regime Militar, foi construída a maior parte dos monumentos, em geral prestigiando personalidades masculinas ligadas à política, à medicina, à advocacia ou natureza religiosa. É significativo o fato de que nenhum dos cinco monumentos construídos em honra às mulheres é deste período. Mesmo assim são obras identificadas como de Natureza Cultural e Folclórica (três) e de Natureza Religiosa (duas). Isto revela que, embora muitas mulheres possam ter conseguido destaque como personalidades públicas, o número das que foram agraciadas e perenizadas com esculturas nos logradouros é irrelevante. É como se a cidade não reconhecesse o protagonismo feminino na sua construção.

Entretanto, em comparação com outras cidades importantes, este número é até considerável. Até 2006, no Rio de Janeiro, de aproximadamente quatrocentos monumentos, há apenas oito mulheres bronzificadas; em São Paulo, existem somente quatro. Em Paris, o resultado é ainda mais impressionante: de um total de aproximadamente quatrocentas obras de arte nos logradouros públicos, estão reservadas às mulheres somente oito.

Porém, se as mulheres são pouco prestigiadas com bustos ou estátuas nos logradouros públicos, em Vitória podemos nos orgulhar de um feito incomum e bastante meritório: a estátua de Domingas, ex-escrava, negra, pobre, velha, personalidade situada na última escala da sociedade hierarquizada construída na cidade. Figura existente historicamente, Domingas foi a única “mendiga” do mundo a receber este tipo de homenagem. Algo totalmente fora dos padrões de exigências formais para uma honraria desta magnitude. Sua estátua está localizada diante do símbolo do poder máximo do Espírito Santo, o palácio Anchieta. Somos todas Domingas, nesta semana do 8 de Março: mulheres trabalhadoras, resistentes, perseverantes, capazes, audaciosas e lutadoras. Mas queremos que o Poder Municipal não permita que os lugares de memória da cidade reproduzam a discriminação.

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