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ISSN 1808-785X

A dança nas aulas de Educação Física no Ensino Médio: uma reflexão sobre os atravessamentos de gênero na aprendizagem da dança nas experiências escolares e não escolares dos jovens1

Joice Gottardo de Jesus

Joice Gottardo de Jesus, mestranda do Curso de Pós-Graduação em Educação Física da UFES-PPGEF, graduada em Licenciatura em Educação Física e membro do Núcleo Interinstitucional de Pesquisa em Gênero e Sexualidade (Nupeges).

Trata-se de uma pesquisa realizada no Centro de Educação Física e Desportos, da Universidade Federal do Espírito Santo (Cefd/Ufes), localizada em Vitória. Partimos da hipótese de que meninos dançam determinadas formas de dança fora da escola, mas essas formas normalmente não são objeto de ensino das aulas de Educação Física com o conteúdo dança, o que pode afastá-los das aulas. Apresenta como objetivo central compreender os atravessamentos de gênero2 na aprendizagem da dança, identificando como ela é situada nas experiências escolares e não escolares de jovens, durante suas trajetórias no ensino médio.

O marcador sociocultural atribuído aos gêneros, que naturaliza a ideia de que a dança é “coisa de mulher”, já foi bastante evidenciado no campo dos estudos de gênero e feministas e também na Educação Física (BEAUVOIR, 1949; SAFFIOTI, 2004; LOURO, 1997; GOELLNER, 2010; SILVA, 2013). A naturalização (Bourdieu, 2007) desse marcador de gênero sobre a arte corporal da dança, faz com que o homem que dança, muitas vezes seja considerado homossexual e afeminado. Apesar dos avanços relativos ao campo das relações de gênero, ainda existe um preconceito muito grande em relação aos homens que dançam as danças que historicamente passaram a ser associadas ao feminino. Esse pensamento preconceituoso tem sido alegado em pesquisas como um forte motivo de alguns estudantes afastarem-se das aulas de dança quando abordada como conteúdo das aulas de educação física (KLEINUBING, 2013; ALTOÉ, 2020; PINTO, 2016).

A pesquisa de cunho qualitativo, apoiou-se teórico-metodologicamente nos estudos de gênero e feministas (LOURO, 1995; SILVA, 2021; PISCITELLI, 2009) e nos estudos do campo da Educação Física que se articulam aos estudos da dança como conteúdo curricular (ANDREOLI, 2010; SILVA, 2013, BRASILEIRO, 2003; HANNA, 1999). Sendo utilizado como fontes: artigos, livros voltados para Educação Física Escolar e também sobre gênero, além das vozes e testemunhos de estudantes homens do curso de Licenciatura em Educação Física da Ufes. O processo de análise considerou os dados produzidos por meio das seguintes estratégias: aplicação de um questionário via Google Forms e entrevista realizada na plataforma online Google Meet, por meio dos quais pretendemos identificar, a partir das experiências desses estudantes com a dança, os sentidos e significados que implicam o pensar e fazer sobre a dança em relação ao gênero.

A partir do levantamento realizado no Google Forms foi possível identificar que a maioria dos participantes (82,86%) não teve no seu ensino médio o conteúdo da dança trabalhado nas aulas de educação física. Apenas 17,14% dos entrevistados responderam que tiveram contato com o conteúdo dança nas aulas de educação física. Esses dados demonstram como a dança é um conteúdo marginalizado na escola e, também, como é pouco prestigiada enquanto conteúdo específico da Educação Física Escolar.

Dos entrevistados que responderam que tiveram a dança como conteúdo nas aulas de Educação Física, todos disseram que participavam das aulas quando o conteúdo era dança. Entretanto, dos seis que responderam “sim”, três destacaram que a dança só era abordada no âmbito da Educação Física no período de ensaios para a festa junina, datas comemorativas ou outros eventos escolares.

A maioria dos participantes responderam que tiveram experiências com a dança mesmo que informalmente (bailes, boates etc.) fora do ambiente escolar, como se vê: 68,57% dos participantes, responderam que tiveram experiências com a dança fora do contexto escolar, e 31,43% responderam que não tiveram experiências com a dança fora do contexto escolar. Ao final do questionário teve uma questão em que os participantes foram convidados a assinalar uma das alternativas sobre o que eles concordaram na época que cursavam o ensino médio. 51,43% marcaram que meninos e meninas podem dançar qualquer tipo de dança; 20% marcaram que dança é coisa de meninas; 17,14% marcaram a afirmativa meninos podem dançar com as meninas as danças de salão; 8,57% marcaram a afirmativa de que meninos não dançam ballet e 2,86% marcaram a afirmativa de que eu só ouço a música e deixo o corpo seguir. Esses dados revelam como a dança ainda é marcada pelos preconceitos de gênero.

Na terceira etapa desta pesquisa foram realizadas entrevistas com treze estudantes, a fim de melhor compreender os atravessamentos de gênero na aprendizagem da dança entendendo como a dança é situada nas experiências escolares e não escolares de jovens, durante suas trajetórias no ensino médio. Como visto na metodologia, considerando as recorrências (BARDIN, 2008) encontradas nas entrevistas realizadas, percebemos as seguintes categorias: a) A predominância do conteúdo esportivo nas aulas de educação física e a dança como conteúdo extracurricular: mais do velho fazer docente?; b) As experiências com dança na escola: as Artes entram em cena! c) O preconceito relacionado à participação dos meninos na dança: o que a EF faz a respeito? d) O contato tardio com a dança; e) Timidez, vergonha ou uma questão de gênero?

A partir da análise destas categorias, compreendemos que a dança ainda é uma prática corporal marginalizada e pouco valorizada enquanto conteúdo da Educação Física. A maioria dos estudantes entrevistados não tiveram no seu ensino médio o conteúdo da dança abordado nas aulas de Educação Física, mas a maioria dos participantes tiveram experiências com a dança fora do contexto escolar e também na disciplina de Artes. Ademais, os estudantes que tiveram esse conteúdo, sempre participaram da educação física quando a dança era abordada.

Neste trabalho, também discutimos sobre como as relações de gênero e sexualidade influenciam na prática da dança, e ficou evidente como ainda existe um preconceito em relação ao menino/homem que dança. Finalmente, ressaltamos que pouco mais da metade dos estudantes que responderam ao formulário do Google Forms, acreditavam durante o período em que cursaram o ensino médio, que meninos e meninas podem dançar qualquer tipo de dança, o que indica que a dança ainda é marcada pelos preconceitos de gênero.

Ademais, percebemos que a dança no próprio contexto escolar estudado era induzida só para as meninas, muitas vezes até mesmo por influência da escola. Analisamos nas situações relatadas nas entrevistas que, não raro, os marcadores de gênero implicam o pensar e fazer sobre a dança, e percebemos como a dança ainda é associada como “coisa de mulher”. Verificamos como essa ideia contribui para o preconceito e a discriminação que faz com que para dançar, muitos meninos tenham que superar “barreiras sociais”.

Refletimos também sobre como esses “marcadores de gênero” afetam meninos/homens e a relação que eles têm com a dança, bem como o preconceito pode ser motivo de seu afastamento dessa prática corporal. Além disso, discutimos como esses marcadores de gênero afetam a presença dos meninos na prática corporal da dança, já que a timidez foi citada por alguns entrevistados. Isso nos leva a questionar: será que essa vergonha e timidez que eles alegam sentir, não teria alguma influência dos marcadores de gênero?

Acreditamos que o contato com dança como conteúdo específico das aulas de Educação Física, pode promover uma melhoria da relação dos meninos com essa prática corporal, a fim de que possam superar os estereótipos da masculinidade socialmente impostos, e assim consigam ter uma relação diferente com a dança e com os estereótipos de movimentos. Além disso, a partir da convicção do/a professor/a enquanto agente de transformações sociais e a escola como um espaço onde os saberes são produzidos, buscamos contribuir para a reflexão a respeito da relação dos meninos com a dança dentro e fora do contexto escolar.


Notas

1 - Trabalho completo disponível em: 2022 01 TCC Joice Gottardo de Jesus (ufes.br).

2 - Homens e meninos cis são aquelas pessoas que nascem com o órgão sexual masculino, se expressa socialmente conforme dita o papel de gênero masculino e se reconhece como homem.

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