Olhar Crítico - Comunica Digital

Um olhar sobre economia, educação, filosofia e política.

ISSN 1808-785X

Lula Rocha, uma estrela no céu...

Igor Vitorino da Silva

Igor Vitorino da Silva, professor de História formado pela UFES e mestre em História pela PGHIS/UFPR.

Ele estava em todas as lutas. Tinha a paciência da escuta e a força da perseverança. Acreditava na possibilidade da transformação social e política. Essa certeza fez parte de sua vida. É bem difícil para nós, que sempre o vimos crescer e se tornar a grande referência de lutas dos direitos humanos no Espírito Santo, aceitar a sua partida. Ficamos parados e atônitos, nos questionando sobre a veracidade da notícia.

É incomensurável a dor de seus familiares e parentes. Mesmo na luta pela saúde, ele não deixou de encaminhar nenhum pedido de ajuda. Estava sempre de prontidão para atender mães, jovens e comunidades em busca de escuta e amparo, diante da negligência do Estado e dos efeitos da violência urbana na Região Metropolitana de Vitória.

Um jovem alegre e ativo, que sabia cuidar dos amigos e construir política com distanciamento de picuinhas e traquinagens; que carregava efetivamente o desejo de construir novas condições de vida para as galeras das quebradas e periferias, a partir da articulação coletiva.

Do seu bairro amado, Santana, em Cariacica, onde cresceu e viveu grande parte de sua vida, ele saiu para o mundo, sem esquecer jamais suas raízes sociais e ancestrais. Ali, ele se casou e constituiu sua família. Foi o guardião da família quando seus irmãos alçaram voos e foram dos quilombos dos Rocha.

Na casa da família, moram hoje as memórias de festas, projetos, trabalhos e sonhos traçados e organizados e tornados realidade por Lula Rocha, dentre os quais destacam-se: o Centro de Apoio aos Direitos Humanos; o Círculo Palmarino; o Fórum da Juventude Negra do Espírito Santo; o Instituto Emilu Cleber Maciel; a Coalização Negra; a Rede AfirmAção, além de muitos outros lugares de luta e representação dos negros e dos direitos humanos.

Nós, que tivemos a oportunidade de conhecê-lo, não podemos de forma alguma deixar que sua memória seja esquecida. Mais do que isso, devemos continuar a alimentar seus sonhos e projetos, com o objetivo de possibilitar uma vida digna e mais segura para os jovens negros das quebradas capixabas e o reconhecimento dos espaços periféricos como lugar de cidadania, pelas instituições públicas.

Precisaríamos de muitas e muitas páginas para escrever sobre essa estrela que, agora, está no céu, pois na sua breve trajetória por essa terra deixou sua marca e plantou sementes. Essa estrela que bem alto brilha para todos nós dizendo “Não desistam! É possível mudar o mundo.”

É preciso não deixar de comentar que uma das principais denúncias assumidas por Lula Rocha, enquanto militante do movimento negro e direitos humanos, era a luta contra o estado de exceção seletivo e dirigido brasileiro. Ela fazia parte de seus combates diários, articulando comunidades e indivíduos no combate pela efetivação dos seus direitos civis e sociais tão enunciados na Constituição Federal de 1988 e negados na vida cotidiana pelas instituições e sujeitos políticos que deveriam promovê-los. Ele fazia a incansável marcha pelo reconhecimento social e público do extermínio da população negra e periférica que vigora no país, produto da negligência social e política em relação à violência urbana que assola o país.

Nesse sentido, a presença pública de Lula Rocha anunciava não apenas a denúncia social e política, mas a importância da auto-organização dos atingidos pela violência urbana e pela violência institucional na busca da justiça social e da defesa dignidade humana. Isso significava, é claro, enfrentar, mesmo diante de todos riscos e retaliações sociais e políticas, os grupos sociais, instituições e indivíduos que sobrevivem do mercado político da segurança política, sejam aqueles que se apropriam das prerrogativas estatais e do monopólio da lei e da violência para imporem seus desejos e extorsões políticas e econômicas, como outros que se aproveitando da ineficiência planejada e voluntária dos poderes públicos se aproveitam para impor sua regulação política e social determinados territórios do espaço urbano para supostamente oferecerem tranquilidade e ordem (de suas armas).

Em todas essas direções de espoliação do poder público, como denunciava eloquentemente Lula Rocha, que supostamente buscam produzir a pax urbana, se orientam por uma política penal seletiva e restrita (encarceramento em massa), articuladas por uma cultura punitivista e de intensa privatização das políticas de segurança pública. Lula Rocha era um jovem negro e filho da periferia de Cariacica-ES, que marchava numa luta contra uma economia espoliativa, que faz da política da morte e do medo a lógica cotidiana da vida social, o que a moda intelectual de hoje chama de necropolítica (Achille Mbembe), mas que sabiamente Pierre Clastres chamava de máquina etnocidária.

Precisamos aprender as virtudes políticas, humanas e sociais desse guerreiro negro — honestidade, amizade, perseverança, empatia, compromisso e lealdade. Virtudes que não são raras em nossos jovens, mas que, infelizmente, não são valorizadas e estimuladas pela sociedade big brother. A dor diante da morte não esperada será contínua e longa, mas a certeza de sua presença na luta de cada dia será um alento e embalo para o nosso reencontro no infinito.

Izaías Santana, Maria da Penha, Ana Paula Rocha e Winny Rocha — os meus mais sinceros sentimentos, abraços e o profundo pesar neste momento abismal de dor e saudades.

Lula Rocha, presente!

COMPARTILHE: