Olhar Crítico - Comunica Digital

Um olhar sobre economia, educação, filosofia e política.

ISSN 1808-785X

O medo da história!

Igor Vitorino da Silva

Igor Vitorino da Silva, professor de História formado pela UFES e mestre em História pela PGHIS/UFPR.

O medo da história segue com força e vigor, pois, justamente, é o tempo presente o ponto de partida do ato mnemônico. Daí a questão fundamental para o historiador e para o cidadão: quais forças constituem o tempo presente? Ou seja, quais são virtualidades em relação aos mortos/ao passado? Onde mora a vida no presente, ou melhor, o novo?

Dessa forma, o medo da história é o medo da política, na medida em que se teme descobrir o que há no tempo presente de novidade, de nova fundação, de novo mundo. Fazer-se acreditar dominado pelo passado ou desvalorizá-lo constituem-se estratégias primordiais para conter a emergência da política, a emergência do homem em sua plenitude; do homem em sua ação.

Isso exige o controle sobre a interpretação do passado e de suas versões capazes de incendiar e infiltrar o tempo presente de dissensão, de divisão, de tomada de posição. Daí o temor pela história que envolve aqueles que procuram apenas reproduzir o poder e garantir sua hegemonia fazendo do tempo presente e do futuro uma mera projeção distorcida de seu próprio passado. Ou seja, a inscrição na vida cotidiana do sentimento pessimista de eternidade do poder e de inutilidade da ação política, a glorificação da impotência humana.

A ideia do eterno retorno das elites e da inviabilidade da transformação faz com que o novo, que pulsa e se manifesta bem diante dos olhos de cada sujeito, seja negado, esquecido e desvalorizado. Abandonamos a novidade para permanecer com o já dado, pronto e consumado.

Por isso, o medo da história, já que Ela (saber, pesquisa ou narrativa) pode, enfim, exorcizar o já dado, o pronto e consumado, evocando dessa forma os seres humanos para se tornarem sujeitos do seu tempo, para resumirem o lugar da criação, para serem POIESIS...

A história moderna ou pós-moderna é copernicana, ela convoca aos seres humanos, ocidentais e ocidentalizados, à descoberta que insistem em esquecer: que o mundo em que habitam é sua criação. Nada há fora do humano. O centro desse cosmo é o homem e suas criações e nelas estão os (a)fundamentos...

Isso implica desnaturalizar a vida e, até mesmo, a maneira de compreender a natureza, porque aquilo que somos ou criamos não possui a porta da sonhada e desejada universalidade e, sim, as contingências governadas pelas indeterminações, imprevisibilidades e pelas incertezas. De fato, a história discursa de um lugar inscrevendo em posições e tempos os objetos, sujeitos e relações. Ela destrona o “sempre foi assim”, o “vai ser assim” ou “tem que ser assim”.

Como esfinge, a história moderna evoca a busca por respostas para os enigmas existenciais (O que aconteceu? O que deve acontecer na sequência? Por que (isso) aconteceu? Quando e onde (isso) aconteceu?). Ao mesmo tempo, nos avisa sutilmente que não há nada fora de nós mesmos, que a fundamente e sustente além das relações de poder que nos fazem e refazem sujeitos. Portanto, qualquer predição histórica, “efeito das relações de poder”, é uma ficção que negligencia o inesperado na ação humana.

Dessa forma, como assevera Paul Rocoeur, em A memória, a história, o esquecimento, “é preciso lutar contra a tendência a se considerar o passado do ponto de vista do acabado, do imutável, do irretocável”. É essa luta histórica, convocada pelo filósofo francês, que resume o grande medo da Esquerda e da Direita contemporâneas que buscam recorrentemente embargar a memória e a história.

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