Olhar Crítico - Comunica Digital

Um olhar sobre economia, educação, filosofia e política.

ISSN 1808-785X

Os impactos das políticas educacionais brasileira no Trabalho Docente

Elda Alvarenga

Pesquisar o trabalho docente no contexto atual requer um estudo aprofundado das reformas educacionais promovidas nos últimos anos no cenário brasileiro, além de compreender os aspectos históricos, sociais, políticos, econômicos e culturais, concernentes à realidade da sociedade contemporânea. As transformações ocorridas em tal contexto afetaram profundamente a vida social e, conseqüentemente, as questões relacionadas à educação. Segundo Oliveira (2003), “o movimento de reformas que toma corpo nos países da América Latina nos anos 1990 traz conseqüências significativas para a organização e a gestão escolar, resultando uma reestruturação do trabalho docente, podendo alterar até sua natureza” (2003, p. 33).

Nos anos 90, o debate que emergiu no cenário nacional foi sobre a Reforma do Estado, particularmente, a reforma administrativa. A idéia reformista para o Estado foi incorporada no cenário nacional e principalmente as idéias defendidas por Bresser Pereira. “A questão central hoje é como reconstruir o Estado e como redefinir um novo Estado em um mundo globalizado” (Bresser Pereira, 1998, p. 21). Com esse argumento, dentre o que se precisava redefinir, de acordo com o governo FHC, estava a questão da reforma fiscal, da previdência social e da eliminação dos monopólios estatais para tornar a administração pública moderna e eficiente. A necessidade de flexibilizar o estatuto da estabilidade dos servidores públicos e aproximar os mercados de trabalho público e privado também estava na ordem do dia.

Com essas premissas para a Reforma administrativa, foi encaminhada uma proposta para o Congresso em 1995, como Emenda Constitucional. De acordo com o documento da Presidência da República, a reforma do aparelho do Estado tem o objetivo básico de transformar a administração pública brasileira, de burocrática em gerencial. Essa transformação passou a ser uma questão nacional (lbid., p.22).

A mudança do Estado burocrático (lento e caro) para o Estado gerencial (ágil e menos custoso) surgiu como estratégia para reduzir os custos e tornar mais eficiente a administração do Estado. Nesse sentido, nos anos 90, a mudança para a administração gerencial, que significava a descentralização, controle de qualidade, e a terceirização dos serviços públicos, é fundamental para a transformação do Estado brasileiro, segundo seus defensores. Passa-se a enfatizar a descentralização como “democratização” do poder, a qualidade entendida como produtividade, com eixo na eficiência e eficácia, e a terceirização, com a introdução de novos setores públicos não-estatais, “não-governamentais”. Tais argumentos são defendidos pelo governo federal, que reconhece os avanços realizados pela administração empresarial como os ideais para tornar o aparelho estatal mais eficiente.

Para Silva Jr. (2002), a matriz orientadora do Estado deriva da racionalidade do movimento da sociedade no presente estágio do capitalismo, quando o capital põe-se em todas as esferas sociais, estabelecendo, assim, o império do privado para as instituições por meio dos mais diversos processos.

Com a reforma do Estado, abrem-se caminhos aos agentes, como o Banco Mundial e outros organismos multilaterais, para atuarem, pois, na sedimentação da nova ordem mundial, interferindo na organização econômica e política dos Estados nacionais, em especial dos chamados países em desenvolvimento. Segundo Silva Jr. (2002), no setor educacional, em especial no ensino superior, as propostas do Banco Mundial, em documento de 1994, são explícitas ao referir-se sobre as orientações para a reforma:

Fomentar a maior diferenciação das instituições, incluindo o desenvolvimento de instituições privadas;
Propor incentivos para que as instituições públicas diversifiquem suas fontes de financiamento, por exemplo, a participação dos estudantes nos gastos e a estreita vinculação entre o financiamento fiscal e os resultados; Redefinir a função do governo na educação superior; Adotar políticas que estejam destinadas a outorgar prioridade aos objetivos de qualidade e eqüidade (BIRD/BANCO MUNDIAL, 1994 Apud SILVA Jr., 2002, p.58).

Essas orientações refletiram-se nas reformas educacionais na América Latina e principalmente no Brasil, com características de um movimento reformista mundial, apesar das especificidades históricas de cada um. O conjunto de medidas para a reforma educacional foi conduzido com a supressão de leis e normas. De acordo com ROSAR (1999), o governo federal, na segunda metade da década de 90, realizou uma ampla reforma do sistema educacional, paralelamente ao processo de tramitação e aprovação da Lei de Diretrizes e Bases - LDB, sem consultar os diversos setores da educação. Ela aponta alguns instrumentos legais aprovados:

Lei 9.131/95 - resultou de Medida Provisória e criou o Conselho Nacional de Educação.
Lei 9.192/95 - regulamentou o processo de escolha dos dirigentes universitários;
Decreto 2.026/96 - definiu o processo de avaliação de cursos e de instituições de ensino superior (instituiu o Provão);
Lei 9.424/96 - regulamentou o Fundo do Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério;
Decreto 2.027/97 - regulamentou a LDB para o sistema federal de ensino (concebeu e definiu tipos diferenciados de instituições de ensino superior);
Decreto 2.208/97 - definiu a nova concepção do ensino médio, sua forma de organização e de relação com a formação profissionalizante’ (Rosar, 1999, Apud Vieira, p. 14).

Ainda de acordo com a autora, esse conjunto de medidas pretende criar uma padronização do sistema educacional adequado às políticas econômicas em vigor. A descentralização e autonomia apontadas nos diversos documentos oficiais são incorporadas ao cenário nacional como mecanismos de reorganização do espaço social. O discurso utilizado pelo governo está centrado na incapacidade do Estado de fazer política econômica e social ao mesmo tempo. Nessa perspectiva, os agentes econômicos, sociais e educacionais são “conclamados” a disputarem no mercado a maneira como vender seus produtos.

A defesa da privatização, igualmente utilizada como estratégia política, permite uma inversão no papel do Estado, ou seja, o setor privado passa a ser o responsável pelos serviços sociais. Com essas estratégias encaminhadas, as reformas do Estado e da educação superior no Brasil passam a ser ancoradas na mudança do papel da ciência e dos intelectuais e na mudança da profissionalização por meio das competências e empregabilidade, nesse sentido, a referida reforma no plano geral da reconfiguração educacional e da sociedade em geral, o que se traduz por um movimento reformista, tornando a educação uma mercadoria, com a perda progressiva da profissionalização.

Esse movimento afeta de forma direta o mundo do trabalho e o trabalho docente, uma vez que a legislação passa a exigir maior formação dos professores e certificação em nível superior para o exercício do magistério. As alterações dos valores sociais vigentes também influenciam na atuação dos professores, as quais priorizam o sucesso e a recompensa econômica como sinônimo de status e de reconhecimento social, em detrimento de valores humanistas, do próprio conhecimento e da cultura.

Face a esse conjunto de problemas, para Almeida (2004), cresce a demanda no campo de procedimentos dos professores nas atividades desenvolvidas em sala de aula: além de ensinarem competentemente a disciplina sob sua responsabilidade, devem ser os facilitadores da aprendizagem, os organizadores de atividades coletivas, os orientadores psicológicos e sociais. Também devem organizar as atividades extracurriculares, participar de projetos e reuniões, cuidar de sua autoformação, e ainda dar conta da formação dos futuros profissionais para o mercado competitivo.

Com toda essa diversidade de tarefas, os professores sentem-se despreparados e incapacitados para oferecer propostas e respostas consideradas adequadas, e para definir e delimitar objetivos e prioridades para sua atuação, principalmente porque não participaram da concepção dessas novas demandas. Diante disso, desenvolvem uma crise de identidade e vêem crescer a insatisfação no trabalho. Ao lado dessa sobrecarga, os professores são também responsabilizados pelas falhas, pelas dificuldades e pela qualidade do ensino, já que a realização do processo educativo fica centrada em suas mãos.

Segundo Oliveira (2003), trazendo uma contribuição sobre o trabalho dos professores da educação básica, o trabalho docente passa a ser definido para além dos limites da sala de aula, é preciso que os professores participem de outras atividades no que se refere ao planejamento, elaboração de projetos, currículo e avaliação. Dessa forma o trabalho docente amplia o seu âmbito de compreensão e, conseqüentemente, as análises a seu respeito tendem a se tornar complexas. Fazendo uma comparação aos docentes do ensino superior percebem-se semelhanças na precariedade a que são submetidos na realização de seu trabalho.

Toda essa mudança não foi acompanhada da melhoria das condições de trabalho e dos recursos materiais necessários para concretizar uma educação com qualidade. Os docentes convivem diariamente com a contradição entre o que deveria estar sendo realizado na prática pedagógica e o que é possível ser concretizado, face ao número de aulas que são obrigados a assumir, às condições materiais presentes no local de trabalho que lecionam, ao número de alunos por turma, à escassez de equipamentos, etc.

As mudanças ocorridas nos últimos anos, principalmente no sistema de educação, colocam a necessidade de se buscar um novo sentido para a educação e para o trabalho do professor. Pensarmos em mudanças necessárias para a superação desses problemas exige a superação, como nos coloca Mészáros (2005), da lógica desumanizadora do capital, que tem no individualismo, no lucro e na competição seus fundamentos.

A maneira com que se tem desenvolvido a profissionalização dos professores tem levado à degradação do estatuto profissional e à desqualificação do seu trabalho, resultando na queda do seu prestígio social, no decréscimo de sua auto-estima e em condições de trabalho e de vida muito deterioradas. Os baixos salários e as condições em que se exerce a atividade docente são responsáveis por esse mal-estar dos professores. A instabilidade profissional gerada pela longa distância entre os concursos de efetivação, o desgaste físico e psíquico imposto pela sobrecarga de trabalho, a fragilidade dos vínculos grupais e a necessidade de novas reintegrações causadas pelas trocas freqüentes de faculdade, a desmotivação diante da ausência de espaços para a reflexão coletiva sobre seu trabalho e de uma formação contínua que lhe permita responder às novas exigências de docência, acabam por reforçar nos professores o distanciamento da prática educativa e a fragilidade dos vínculos profissionais.

Para Almeida (2004), assumir o processo de mudança educacional requer a participação dos professores, sem a qual, aquele torna-se ineficaz. E acrescenta que as reformas educativas dos anos 90 desprezaram as questões docentes. Fica evidente a necessidade de se tratar a docência como uma profissão dinâmica, em desenvolvimento, em que os professores tomam para si a responsabilidade que lhes compete ao se definirem os rumos da mudança educacional. Com isso, “significa também reconhecê-la como locus de produção de conhecimento, e o professor como sujeito histórico capaz de produzi-los” (2004, p. 114). Nesse contexto, Almeida (2004) aponta algumas questões que se apresentam como inseparáveis: reforma educacional, qualidade do ensino, formação de professores e valorização profissional, dentre outras (Ibid, p. 114).

Diante do exposto, torna-se evidente a complexidade que perpassa o trabalho e a formação docente. Para avançar na tentativa de reverter este quadro, é necessário que os/as profissionais da educação tenham um nível de qualificação, condições necessárias para a realização do seu trabalho e, lógico, tenham uma remuneração adequada à importância da profissão docente. É preciso, portanto, um olhar atento à realidade educacional, buscar a melhoria de condições do trabalho docente, da remuneração, da organização sindical, como também das instituições escolares, da formação inicial e continuada desses/as docentes, sem o que inviabiliza-se a concretização de uma mudança na educação e na qualidade da aprendizagem dos/as alunos/as.

COMPARTILHE: