Olhar Crítico - Comunica Digital

Um olhar sobre economia, educação, filosofia e política.

ISSN 1808-785X

Aprendizagem na interação emancipadorai

Elda Alvarenga

Elda Alvarenga, Doutora em Educação PPGE/Ufes. Professora substituta Ifes/Campus Cachoeiro de Itapemirim, acadêmica do Curso de Licenciatura em História da Ufes

Muito se tem discutido ultimamente, nos processos de formação de professores, sobre a educação emancipadora. Entende-se como emancipadora aquela educação que tem por objetivo a formação de pessoas críticas, autônomas e que compreendam e intervenham no mundo em que vivem. Apesar de Paulo Freire ser um dos principais defensores, em especial em sua Pedagogia do Oprimido, outros/as tem teorizado sobre a questão e muitas formas dessa ideia de emancipação se materializar nos cotidianos escolares.

Podemos observar que, muitas vezes, em nome da educação política e crítica, tem ficado de lado saberes curriculares necessários para a formação humana. Observa-se que o que se espera dos cursos EaD se aproxima dos pressupostos defendidos pela educação emancipadora, uma vez que é pressuposto que os/as discentes estudem sem a presença constante dos/as professores/as, “o que não quer dizer que necessariamente sozinhos”ii. Nos cursos à distância também se enfatiza a necessidade do desenvolvimento de hábitos de leitura, pesquisa, a capacidade de interrogar os materiais disponibilizados, de busca constante por outras fontes de conhecimento e informação, por exemplo. Observamos que é próprio dos percursos formativos EaD a utilização de inúmeras ferramentas que auxiliam no processo ensino aprendizagem. Ferramentas que, diga-se de passagem, até a pandemia Covid-19, enfrentavam muitas resistências nas escolas, em especial, entre os/as gestores/as e professores/as mais tradicionais.

Por outro lado, como a maioria de nós é oriunda de uma cultura escolar tradicional, não é raro que estudantes universitários cheguem no curso superior esperando por aulas unilaterais, tradicionais, com professores/as conferencistas, para citar umas das principais críticas que Sócrates dirigia aos sofistas. Essa postura muitas vezes causa decepção e abandono do estudo. Em primeiro lugar, precisamos aprender os processos que possibilitam a construção do conhecimento. Nesse sentido vale lembrar as principais diferenças sobre as concepções que orientam, epistemologicamente, a produção do conhecimento humano e o papel dos/as que ensinam e dos/as que aprendem.

Vê-se, nitidamente, duas posturas contraditórias em relação ao papel dos professores e professoras na aprendizagem dos alunos. Para Sócrates, o mestre é aquele que acompanha o aprendiz e o diálogo é uma ferramenta fundamental. Já os sofistas impõem sua presença, pois, acreditam que são os “transmissores” do conhecimento, os conferencistas.

Quando percebemos que “conhecimento não se transfere”, que “ninguém ensina ninguém, ninguém aprende sozinho, os homens [e as mulheres] aprendem em comunhão”, como preconiza Freire, nos tornamos melhores aprendizes e mestres. Nisso reside a importância de se compartilhar conhecimento. Acredito que sempre que contribuo para a aprendizagem de alguém, estou, por um lado, me possibilitando aprender mais sobre esse conteúdo e, por outro, ajudando na construção de um mundo melhor. Conhecimento só tem valor se, de alguma forma, contribui para melhorar a vida das pessoas, tanto individual como coletivamente, ou, nas palavras de Freire: “o ensinante que assim atua tem, no seu ensinar, um momento rico de seu aprender” (2001, p. 259).

Assim, mais importante do que aprendemos e como aprendemos é o uso que fazemos com o que aprendemos. Se usamos somente para obter notas em nossas avaliações, depois guardamos e não nos valemos desse conhecimento para tornar a nossa vida e das outras pessoas melhores, pouca utilidade terá esse conhecimento.

Nesse sentido, como professores/as em formação, temos uma dupla tarefa: o de sermos protagonistas da nossa própria produção do conhecimento e de contribuir para que os/as educandos, sob a nossa responsabilidade, também se tornem protagonistas no processo ensino aprendizagem. Faz parte do processo autônomo de construção do conhecimento, dentre outras coisas, a capacidade de diferenciar conhecimento e informação e, como protagonista do seu próprio percurso formativo, gerenciá-lo com sabedoria. Nesse sentido, a realização de plano de estudo, com definição do que estudar, quando estudar e a realização de registros acadêmicos é muito importante, pois nos possibilita mensurar e avaliar constantemente o processo e a partir dos resultados tomar decisões que o qualifique cada vez mais.

No contexto atual em que vivemos, recorrer as mídias digitais e as possibilidades que a cibercultura nos oferece é muito relevante. No entanto não se pode perder de vista que nem toda informação é conhecimento e, também, que nem todo conhecimento é necessário para todo mundo, ao mesmo tempo.

Em um texto brilhante, Paulo Freire se refere à responsabilidade de professores/as e professores, afirmando que “O fato, porém, de que ensinar ensina o ensinante a ensinar um certo conteúdo não deve significar, de modo algum, que o ensinante se aventure a ensinar sem competência para fazê-lo. Não o autoriza a ensinar o que não sabe” (2001, p. 259). Essa citação me remeteu à referida fala do professor Fernando, em uma das aulas, quando afirma que educar para a autonomia não significa educação irresponsável, ou seja, a busca da autonomia do aluno, não desresponsabiliza nem alunos/as, nem professores/as, do seu papel no processo, indissociável entre ensinar e aprender.


Notas

i - Este texto é uma adaptação do Relatório dos Módulos I e II da disciplina Fundamentos Estruturais e Pedagógicas da EAD – Curso de Licenciatura em História da Universidade Federal do Espírito Santo, no período 2021/1, ministrada pelo professor Fernando Santa Clara Viana Junior. O relatório foi apresentado pela autora como requisito parcial para aprovação na referida disciplina.

ii - Fala do professor Fernando Santa Clara Viana Junior, em aula síncrona da disciplina Fundamentos Estruturais e Pedagógicas da EAD – Curso de Licenciatura em História da Universidade Federal do Espírito Santo, no período 2021/1.


Referências

FREIRE, Paulo. Carta de Paulo Freire aos professores: ensinar, aprender: leitura do mundo, leitura da palavra. Estudos avançados, 15 (42), 2001, p. 259-268).

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