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ISSN 1808-785X

Dos prazeres e desafios de ser ciclista na Cidade Presépio do Brasil

Elda Alvarenga

Elda Alvarenga, Doutora em Educação PPGE/Ufes. Professora da Prefeitura Municipal de Vitória. Acadêmica do Curso de Licenciatura em História da Ufes e coordenação colegiada do Nupeges (Núcleo interisntitucional de Pesquisa em Gênero e Sexualidade.

"Eu estourei a cabeça dela porque ela passou na minha frente"i

Este texto está pensado desde outubro de 2021. A vida corrida de uma professora, militante, pesquisadora, me fez postergar a escrita. Esta semana, com a repercussão do caso da morte de Luísa Lopes, de 24 anos, brutalmente atropelada e morta na Avenida Dante Michelini, na capital do Espírito Santo, me instigou a escrever sobre a minha experiência como ciclista em Vitória. Peço que me perdoem se o texto soar como um desabafo, o que de fato o é. Mas meu intento primeiro é demonstrar os desafios de pedalar em Vitória e das delícias de se encarar esses desafios.

Ao que se sabe, pela mídia local, existem fortes indícios de que a motorista que atropelou Luísa estava embriagada. Os responsáveis pela investigação, de acordo com a reportagem do G1-ES, descartaram o envolvimento de um segundo carro, principal argumento da defesa da motorista. Deixemos, por hora, que as investigações apontem as causas e os/as responsáveis pelo ocorrido, para nos ater a refletir sobre que tipo de cidade queremos na relação entre pedestres, ciclistas e motoristas.

É fato que não temos um projeto de educação no trânsito. Enfrentamos desafios, na mobilidade pública quando ocupamos tanto o lugar de pedestres, como de ciclistas e de motorista. Para alcançar os objetivos desse pequeno artigo, nos deteremos a aqueles e aquelas que se “arriscam” cotidianamente ao pedalar em Vitória.

Nossas andanças pela cidade mostram que temos uma cobertura ainda insuficiente de ciclovias, a cidade ampliou bastante essas vias nos últimos anos, mas, ainda temos locais desprovidos desses equipamentos.

As características de uma capital ilha forjaram, dentre outras razões, o uso das chamadas calçadas compartilhadas. Pena que, ao que parece, pedestres e ciclistas ainda não entenderam o sentido desse termo. O dicionárioii nomeia o termo compartilhar como “fazer parte de algo com alguém; dividir; partilhar ou repartir com. Pergunto, qual a dificuldade de se dividir uma calçada. Alguém poderia dizer: como dividir? Qual espaço é de quem? Nesse quesito Vitória está de parabéns. Existem inúmeras placas e demarcações que indicam como devemos nos comportar na faixa compartilhada. Ilustraremos algumas delas ao longo do texto.

Para não ser muito prolixa, indico, a partir da minha experiência o que considero ser conselhos importantes que podem contribuir para uma relação solidária no compartilhamento da cidade entre pedestres, ciclistas e motoristas. Para começar ilustremos o papel do poder público:

- Manutenção das ciclovias em condições adequadas, eliminando buracos e outros impedimentos para o tráfego nas vias;

- Expansão das ciclovias de forma a atingir todos os territórios;

- Promover campanhas de educação no trânsito para toda a população;

- Promoção de políticas de acesso ao transporte público de qualidade, o que reduziria o uso de automóveis nas vias.

Quanto aos pedestres, é fato que nas calçadas compartilhadas, a preferência é sua. Mas você já pensou que não precisa e não pode andar ziguezagueando na ciclovia. Esse movimento confunde os ciclistas e pode causar acidentes.

Lembre-se que apesar da preferência ser sua, precisa ficar atento à via, olhar por onde anda, ter cuidado ao cruzar uma ciclovia. Uma atenção especial deve se ter quando, na calçada compartilhada, a ciclovia divide espaço com os pontos de ônibus. Vamos combinar: os ciclistas andam atrás dos pontos e os pedestres na frente? Constantemente me deparo, na Av. Beira Mar, com pessoas aguardando o ônibus sentadas na mureta de proteção da via, exatamente atrás do ponto de ônibus. Impossível passar uma bicicleta sem causar colisão. Outra dica importante: quando ouvir uma buzina, que não seja de carro, provavelmente pode ser um/a ciclista te avisando que está por perto. Lembre que ele, como você, precisa circular com segurança.

É uma delícia andar, por exemplo, na Av. Beira Mar, passear, namorar, caminhar, correr, mas um grupo de mais de duas pessoas alinhadas uma do lado da outra, pode tornar impossível a circulação dos ciclistas. Por fim, quando tiver calçada e ciclovia: Oba! Não precisa compartilhar (já que ainda não sabemos!), ande na calçada, deixe a ciclovia para as bicicletas e as vias para os carros.

Para os motoristas eu imploro: nas calçadas compartilhadas, não parem nem estacionem nas ciclovias e nos seus acessos. Fiquem atentos/as às sinalizações. Dirijam de forma defensiva, com vistas a proteger pedestres e ciclistas.

Para os/as ciclistas, lembro que é importante que a sua bicicleta trafegue em boas condições: freios em bom estado de conservação; sinalizadores luminosos, calçados e roupas adequados e equipamentos de segurança como os capacetes. Aprenda a compartilhar a ciclovia nas calçadas e, quando for necessário, nas vias.

Você já reparou que a ciclovia, como as vias dos veículos automotores, tem mão? Veja a imagem a seguir!

Se todos/as respeitarmos as sinalizações, nossa circulação será mais rápida e tranquila. O/a pedestre nem sempre tem razão, mas precisamos sempre pensar de forma a protegê-los/las. Evite manobras que coloquem em risco a sua vida e a de outras pessoas no entorno.

Esses dias ouvi uma frase que penso caber bem nesse debate: “não escolha o mais fácil, escolha o mais correto”. Proteger vidas deveria ser prioridade e, se não é, precisamos repensar que vida é essa que temos, em que um carro quebrado causa mais preocupação do que “uma cabeça rachada”. Cuidemos todos/as uns/mas dos/as outros/as.

E os prazeres. Esses vou resumir: exercitar-se ao mesmo tempo em que protege o planeta da emissão de gazes, que economiza e, de quebra, no nosso caso, apreciando uma linda vista desta cidade pequena, mas linda.

Por fim, clamamos por justiça por Luísa e por tantos/as outros/as ciclistas, que perderam a vida na cidade de Vitória.


Notas

i - Ao ser questionada pelos policiais militares se ela tinha consciência do que tinha acontecido, a motorista que atropelou Luísa Lopes afirmou: "Eu tenho [consciência do que aconteceu]. Quero meu carro pra trabalhar e olha como meu carro está". O policial, então, questionou a preocupação dela, minutos depois da morte de Luísa. O texto citado é a resposta dada à indagação do policial. Disponível em: https://g1.globo.com/es/espirito-santo/noticia/2022/04/18/modelo-atropelada-em-vitoria-o-que-se-sabe-ate-agora-sobre-o-acidente-que-vitimou-luisa-lopes.ghtml.

ii - Dicionário on line de Português. Disponível em: https://www.dicio.com.br/compartilhar/. Acesso em 19 de abril de 2022.

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