Olhar Crítico - Comunica Digital

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ISSN 1808-785X

Copa do Mundo de Futebol 2022: preconceito e diversidade ameaçada

Elda Alvarenga

Elda Alvarenga, Doutora em Educação PPGE/Ufes. Professora da Prefeitura Municipal de Vitória. Acadêmica do Curso de Licenciatura em História da Ufes e coordenação colegiada do Nupeges (Núcleo interisntitucional de Pesquisa em Gênero e Sexualidade.

E quando ela rola o mundo pára
Só na torcida sem respirar
E quando ela passa pelo goleiro
O Brasil inteiro vai comemorar

(Comemorar – Skank)

No primeiro mês do ano era de se esperar que os textos abordassem as expectativas para o novo ano, na lógica do velho ditado: “ano novo, vida nova!”. Mas como nem sempre é assim, recordar eventos passados nos ajuda a refletir sobre o que se espera para os anos vindouros. Nesta perspectiva, nossa pretensão é relacionar, a partir de reportagens difundidas nas mídias, a copa do mundo 2022, realizada no Catar, à diversidade sexual e aos diretos das mulheres.

Desde o anúncio do país que sediaria a Copa do Mundo de 2022, foram registradas inúmeras manifestações contrárias a realização do maior evento esportivo relacionado ao futebol em um país em que as mulheres são tuteladas: “as leis, obedecidas ao pé da letra, deixam as mulheres sobre uma tutela masculina, ou seja, para sair do país, estudar, se casar e trabalhar, a mulher precisa de uma carta de autorização de algum homem da sua família, que seja responsável por ela”1. As críticas também se estendem aos processos laborais, o chamado Sistema Kafala de neoescravidão2. Mesmo assim, a Fifa (Federação Internacional de Futebol) manteve a tradição de fazer do evento um grande negócio e ignorou essas manifestações. Arriola assinala que o Catar é uma monarquia absolutista. A forma oficial do islamismo no país é conhecida como o arrabismo ou salafismo que é fundamentalista e ultra conservadora.

Localizado na Península Arábica, no Oriente Médio, o país é uma das nações mais ricas do mundo, dono da terceira maior reserva de gás natural. Além de absolutista, também é hereditário. Por essas e outras razões é considerado pela Freedom House3 como país “não livre” e, para a Anistia Internacional, promove inúmeras violações de direitos humanos4.

Raquel Arriola (uol esporte), no curta “A convite do Qatar: a visão feminina sobre as restrições no país da Copa", conta que a convite do governo do Catar, uma equipe do uol foi convidada para conhecer Doha, capital do Catar enquanto rolava a Copa árabe de 2021. Ela relata que se surpreendeu com o silenciamento e controle das mulheres. De início foi obrigada a assinar um documento em que se comprometia a não publicar nada negativo para a imagem do catar. Ela relata que se surpreendeu com o silenciamento e controle das mulheres. De início foi obrigada a assinar um documento em que se comprometia a não publicar nada negativo para a imagem do catar. Ela conta que, apesar disso, as mulheres frequentaram os estádios e torceram pelos seus times, mas, no geral são discretas. Arriola observou também que a cidade é organizada para não misturar homens e mulheres e que para garantir essa separação nas saídas dos estádios e do metrô há uma divisão com vagões Family para famílias e os standards para as outras pessoas, no geral, homens desacompanhados.

Outra questão que movimentou os debates em torno da Copa do Mundo de Futebol de 2022 foi a diversidade sexual. Como no Catar a homossexualidade é considerada (e punida) como crime previsto em lei, é comum o desrespeito aos direitos das pessoas da comunidade LGBTI+, como denuncia a Human Rights Watch5. Para apimentar ainda mais esse debate, destaca-se a afirmação do ex-jogador de futebol e embaixador da Copa, Khalid Salman, em entrevista a um canal de TV em novembro. Ele afirma, sem qualquer constrangimento, que a homossexualidade é um “dano mental”. Disse ainda que “a população LGBTI+ seria tolerada, mas que ‘teriam que aceitar as regras’ locais durante a Copa6.

Como forma de protesto pela forma preconceituosa que a legislação do pais trata a diversidade sexual, a Seleção da Holanda iniciou um protesto que propunha o uso de braçadeira com as cores do arco-íris. Aderiram à ação as seleções da Bélgica, Dinamarca, França, Alemanha, Suíça e País de Gales. Mas a França afastou-se da manifestação porque o capitão da equipe, o goleiro Hugo Lloris, optou por respeitar as leis do Catar7.

Esse contexto desencadeou o protesto silencioso realizado pela seleção alemã na sua estreia nos jogos, contra a censura imposto pela Fifa ao uso da braçadeira de capitão que fazia referência à diversidade sexual, como ilustrado na imagem abaixo:

Certamente o protesto não agradou, nem a organização do evento, nem o país anfitrião, mas, por outro lado, demonstrou os limites da opressão sobre os corpos, ainda que em um contexto tão conservador. Outros eventos foram registrados pela impressa internacional. A Fifa reportou ao governo do Catar que vários objetos com o símbolo do arco-íris foram retirados das imediações dos estádios8, incluindo a bandeira do Estado de Pernambuco que foi arrancada da mão de torcedores e pisoteada pelos policiais. Após a intervenção da Fifa, já na reta final do evento, o governo liberou os símbolos da comunidade LGBTQIA+.

Mas, era tarde, as brutalidades já haviam ocorrido, deixando a triste sensação de que ainda temos muito que denunciar, batalhar para a inclusão da diversidade nos esportes e, também, no futebol.


Notas

1 - Raquel Arriola. A convite do Qatar: a visão feminina sobre as restrições no país da Copa. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=iRYEHqY2pWk. Acesso em: 30 jan. 2022.

2 - Em 2020 a lei que regulamentava esse tipo de trabalho foi abolida após denúncias de organizações de direitos humanos, da Anistia Internacional e de outros relatórios internacionais, que indicam a morte de 6.500 trabalhadores imigrantes durante as construções da Copa do Mundo do Catar. Seria esse um bom desdobramento da realização da Copa naquele país?

3 - A Freedom House é a mais antiga organização americana dedicada ao apoio e defesa da democracia em todo o mundo. Foi formalmente estabelecido em Nova York em 1941 para promover o envolvimento americano na Segunda Guerra Mundial e na luta contra o fascismo. Trabalha para defender os direitos humanos e promover mudanças democráticas, com foco nos direitos políticos e nas liberdades civis (https://freedomhouse.org/about-us/our-history).

4 - JULIANA MORALES, 28 NOV 2022. Catar e direitos humanos: o debate sobre a causa LGBTI+ na Copa do Mundo: entenda por que a escolha pelo Catar como sede do Mundial foi criticada e como isso se reflete dentro e fora de campo. Disponível em: https://guiadoestudante.abril.com.br/atualidades/catar-e-direitos-humanos-o-debate-sobre-a-causa-lgbti-na-copa-do-mundo/

5 - Organizações sem fins lucrativos que apoiam os direitos humanos

6 - JULIANA MORALES, 28 NOV 2022 . Catar e direitos humanos: o debate sobre a causa LGBTI+ na Copa do Mundo: entenda por que a escolha pelo Catar como sede do Mundial foi criticada e como isso se reflete dentro e fora de campo. Disponível em: https://guiadoestudante.abril.com.br/atualidades/catar-e-direitos-humanos-o-debate-sobre-a-causa-lgbti-na-copa-do-mundo/

7 - Leia mais em: https://veja.abril.com.br/esporte/a-polemica-em-torno-das-bracadeiras-de-capitao-na-copa-do-mundo/

8 - Chapéus, cadarços, pulseiras e uma camisa de um jornalista, por exemplo.

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