Olhar Crítico - Comunica Digital

Um olhar sobre economia, educação, filosofia e política.

ISSN 1808-785X

A (IN)dependência trocada em miúdos

Helder Gomes

Se observarmos para além do que nos passa cotidianamente a grande mídia nacional podemos dizer que vivemos numa farsa independente e democrática. Do Grito do Ipiranga , de 1822, à sentença inflexível do exportar ou morrer , de hoje, o Brasil acumulou um festival de falsidades historiográficas e de fraudes políticas, a partir da inversão dos fatos, principal instrumento na construção conveniente de supostos símbolos nacionais. Assim foi no passado, quando a família real teve que correr às pressas de Portugal para o Brasil e se entregar de vez aos interresses da Inglaterra, seu grande “protetor” contra os anseios de Napoleão Bonarparte. Situação que foi se agravando com a transição do Antigo Sistema Colonial para a República (in)dependente e intensificada ainda mais, com as alterações na geopolítica mundial, quando a Inglaterra perdeu o poder de comando sobre as relações internacionais, posição brutalmente conquistada pelos os Estados Unidos, especialmente no processo das duas Grandes Guerras do século XX.

Assim tem sido agora, neste ano eleitoral, quando as campanhas presidenciais apresentam o Brasil no mundo das maravilhas. Este 7 de setembro foi emblemático. Embriagados nas parcas comemorações pelo Dia da Independência, os discursos televisivos das campanhas eleitorais desfilaram com suas alegorias de Alice, procurando negar a realidade, penetrando em mais um sonho profundo de quatro anos ou mais. O atual presidente, como não poderia deixar de ser, parece ser o mais convencido sobre as verdades midiáticas construídas por sua assessoria. Imaginam levar o Brasil para um mundo imaginado, irreal, com todas as suas fantasias e, para demonstrar que estão no rumo certo, apresentam relatos de elogios proferidos pelos presidentes das grandes potências às atitudes (cumprimento do dever de casa) do governo brasileiro na atualidade. Uma maravilha!

Contudo, nem tudo é festa. Paralela aos arranjos políticos formais, apresentáveis, construídos na ficção ideológica das elites brasileiras, a história se desenvolve e se mostra (para quem quer ou pode ver) muito mais dura, ainda mais na atualidade, quando se observa a adesão interesseira de várias lideranças oriundas dos movimentos populares às armadilhas de reprodução dessa imaginada independência.

O discurso oficial

Limitemos aqui nossa atenção ao discurso que enfatiza uma suposta nova relação do Brasil com o exterior. A propaganda oficial apresenta um país que alcançou sua autonomia, sua soberania, e que ocupa uma posição invejável no cenário internacional. Divulgam um país auto-suficiente na produção de petróleo e que pode se tornar uma grande potência mundial na produção energética, seja pela ampliação das unidades hidrelétricas na Amazônia, seja pelas descobertas de grandes jazidas de gás-natural, mas, especialmente, pelo desenvolvimento de fontes de energia alternativas, com destaque para o já famoso biodiesel, o novo eldorado nacional. Reafirmam com toda ênfase que este é o país que bate todos os recordes nos níveis de exportação, fruto de uma política externa eficiente, que ampliou as relações comerciais com a União Européia, os Estados Unidos, o Japão, o Oriente Médio, a China, a Rússia e vários outros países, da Ásia, da África e da América Latina.

Ao mesmo tempo declaram aos quatro ventos que o Brasil se tornou um país independente do FMI ao antecipar o pagamento de dívidas ainda por vencer. Mais, que o Brasil retomou assim uma posição positiva diante dos mercados internacionais, elevando sua credibilidade frente aos credores externos e às agências multilaterais: Fundo Monetário Internacional (FMI), Banco Mundial (BM) e Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), para citar apenas as mais almejadas pela política externa do atual governo. Segundo a cantilena oficial, o Brasil estaria dessa forma alterando o perfil de seu endividamento, abrindo o caminho para a redução das taxas internas de juros e, assim, para a retomada do tão desejado crescimento econômico, o que permitiria, enfim, distribuir o bolo . O pior é que ouvimos repetir essa lorota há pelo menos 30 anos.

Por trás do discurso

Um outro olhar sobre a realidade brasileira nos permite contrapor cada um dos elementos do discurso oficial acumulado ao longo dos tempos. Para facilitar a exposição, inicio pela questão da dívida pública, entendendo esta como a principal armadilha de reprodução da dependência do Brasil nas últimas décadas. A partir dessa discussão, procuro apresentar algumas das perversas conseqüências dos processos de renegociação da dívida externa, devido às exigências não financeiras colocadas como cláusulas dos acordos com as agências multilaterais. Resulta dessa armadilha do endividamento externo, por exemplo, um modelo econômico que prioriza a produção de insumos básicos para exportação ( exportar ou morrer! ), que impõe uma crescente e unilateral transferência de riquezas para o exterior e impede iniciativas soberanas na proteção e no aproveitamento mais qualitativo de nossos recursos naturais. A prioridade ao esforço exportador baseado nas monoculturas e na concentração fundiária também impede a consolidação do sonho de uma nação territorialmente integrada, constituída na equidade social e no respeito à diversidade étnico-cultural. Ao mesmo tempo, além de criar dificuldades para se alcançar algum nível razoável de autonomia tecnológica, tal modelo reproduz os obstáculos à promoção de uma integração solidária das nações latino-americanas.

Com isso, penso ser possível perceber que, por trás dos discursos oficiais reproduzidos cotidianamente na mídia, a nação brasileira tem aprofundado suas relações de dependência internacional, atolada num círculo vicioso, montado para garantir o controle da acumulação de capital pelas empresas multinacionais sediadas nas grandes potências capitalistas do mundo.

A armadilha da dívida

Os economistas liberais, aqueles que assessoram o governo federal, ou que servem de parâmetro para as matérias jornalísticas, ou, ainda, aqueles que reproduzem o pensamento econômico burguês nas universidades, limitam suas análises aos aspectos meramente quantitativos da dívida externa. Normalmente, suas abordagens se referem ao volume de dólares devidos ou a sua comparação com o PIB (Produto Interno Bruto), para mensurar em seus modelos matemáticos, se o tamanho da dívida pode comprometer as demais variáveis macroeconômicas. Entretanto, muito mais que a dívida financeira, em si, é preciso perceber as conseqüências econômicas, sociais, culturais e ecológicas, ou seja, as conseqüências históricas, que resultam ao longo de várias décadas dos acordos de renegociação das dívidas intermediados especialmente pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) e pelo Banco Mundial (BM). Vejamos isso por partes.

No campo econômico a captura das economias dos países como o Brasil pelo processo de mundialização financeira significou a montagem de uma armadilha que converte continuamente a dívida externa em dívida interna. É um círculo vicioso, que funciona como uma correia de conversão, pois, para atrair os recursos necessários ao pagamento da dívida externa e para manter uma boa margem de reservas cambiais (dólares sobre o poder do Banco Central reservados para o caso de alguma crise internacional), o governo estimula as empresas privadas a tomarem empréstimos no exterior e a trocarem os dólares das exportações por títulos da dívida interna. O estímulo utilizado para atrair dólares é a manutenção das taxas de juros internas bem acima dos níveis praticados nos mercados financeiros internacionais, pois, assim, as empresas tomam dólares emprestados lá fora e emprestam ao Banco Central, faturando na diferença entre as taxas de juros internas e aquelas que servirão de base para o pagamento da dívida com credores estrangeiros.

Esse mecanismo foi azeitado com a implantação do Plano Real em 1994. Para se ter uma idéia das repercussões desse modelo de conversão da dívida externa (dólares) em dívida interna (reais), basta observar que nas vésperas do Plano Real, em dezembro de 1993, o volume de títulos da dívida interna fora do Banco Central do Brasil equivalia a apenas R$ 4,99 bilhões. Em apenas 7 meses, com o ajuste promovido para a implantação da nova moeda, esse volume de títulos saltou para mais de R$ 56 bilhões. Com a continuidade do modelo principal, de conversão de dívidas, agora na virada de 2006 o volume de títulos fora do Banco Central ultrapassou a casa do R$ 1 trilhão. Isso significa que, se antes, no final de 1993, o governo precisaria economizar alguns milhões de reais para o pagamento de juros da dívida interna, agora ele necessitaria gerar um superávit anual de mais de R$ 160 bilhões, para pagar a totalidade dos juros comprometidos com a especulação financeira. Como atualmente o governo só consegue cortar os gastos públicos com saúde, educação etc., equivalente a algo próximo da metade do que deveria pagar, o volume dos juros não pagos passa a compor o estoque da dívida interna, que só faz aumentar ano após ano.

Com isso, o Brasil se tornou um recordista e mantém as maiores taxas de juros do mundo. E isso não tem nada a ver com a cantilena de que é preciso manter as taxas de juros elevadas para o controle da inflação. Na verdade, os defensores da estabilidade monetária querem esconder que a armadilha da conversão da dívida externa em dívida pública interna é parte deste momento histórico particular do capitalismo, no qual a dominação do capital financeiro especulativo interfere em toda a atividade econômica, impondo políticas macroeconômicas e demais políticas públicas, tendo como suporte as relações econômicas com os Estados Unidos e com as agências multilaterais (FMI e BM).

As taxas internas de juros precisam ficar elevadas para alimentar a armadilha da dívida pública, que constitui o principal instrumento de transferência de riquezas para a acumulação de capital, em escala mundial, especialmente nos momentos de crise de investimentos produtivos, como o que vivemos na atualidade. Os Estados nacionais, em seu conjunto, garantem assim o processo de acumulação, transferindo para a esfera especulativa da economia parcela significativa dos impostos e outros tributos cobrados direta ou indiretamente da sociedade. Cabe enfatizar que no Brasil o peso maior da carga tributária recai sobre as famílias assalariadas e não sobre o capital.

Como já escrevi em artigos anteriores, parte considerável desses impostos convertidos em juros é transferida para um reduzido número de grandes bancos privados, que opera em escala mundial. O restante é distribuído entre instituições financeiras intermediárias, aplicadores de segunda ordem, incluída aí parcela considerável das elites dos próprios países dependentes. Isso significa que boa parte das rendas das elites brasileiras é auferida por aplicações de seus recursos financeiros na compra de títulos da dívida externa do próprio país, que são vendidos no mercado secundário internacional pelos grandes bancos privados, aqueles que emprestam dólares aos países dependentes como o Brasil.

Dessa forma, não há como falar que o maior problema para uma política soberana para a renegociação da dívida financeira está em possíveis retaliações financeiras, comerciais, ou mesmo militares, das grandes potências mundiais. Isso é o que a grande mídia quer nos fazer acreditar com suas insinuações cotidianas. Na verdade, uma moratória da dívida externa por parte do Brasil feriria também os interesses das próprias elites nacionais, que são agraciadas com as migalhas dos mercados especulativos internacionais e vêem, com isso, o risco de congelamento de seus recursos financeiros depositados nos Estados Unidos e em outras praças rentistas mundiais. Esse é o principal obstáculo político para a solução da dívida na atualidade. Cabe lembrar que, além da compra de títulos das dívidas externas de seu próprio país, as elites brasileiras possuem imóveis no exterior e uma grande soma de recursos financeiros não contabilizados no Brasil aplicados em paraísos fiscais. Esta, sim, é uma questão de fundo, que precisa ser abertamente debatida, sem as amarras da mídia nacional.

Os economistas burgueses gostam muito de modelos matemáticos, mas escondem que, na verdade, são os países tidos como devedores que sustentam a transferência de riquezas para os grandes centros rentistas do planeta, há várias décadas. Vários estudos indicam (TOUSSAINT, 2004; MILLET, TOUSSAINT, 2006) que entre os anos de 1980 e 2000 os países tidos como devedores transferiram para os supostos credores internacionais cerca de 3,5 trilhões de dólares, na forma de juros e amortização. Isso equivale a 6 vezes o que esses países efetivamente deviam em 1980. Porém, capturados pela armadilha financeira, mesmo transferindo todo esse volume de dólares para o exterior, esses países viram suas dívidas se multiplicarem por cerca de 4 vezes no mesmo período. Ou seja, sem qualquer consulta à sociedade, os governos utilizaram de seu autoritarismo e, num processo sem qualquer transparência, pagaram 6 vezes a mais do que o país pegou emprestado no exterior e, mesmo assim, viram suas dívidas quadruplicarem em apenas 20 anos (daí a necessidade de uma auditoria da dívida pública).

Parece ficar nítido que não importa o volume do endividamento externo em si. O mais importante é manter a política macroeconômica voltada para garantir a armadilha da dívida funcionando. Portanto, é uma enganação dizer que o país ficou livre do FMI, ao adiantar o pagamento de empréstimos ainda por vencer, pelo menos por dois motivos. Primeiro, porque a despeito da redução do volume da dívida, continuam garantidos e em pleno funcionamento os principais mecanismos de conversão de impostos em juros, transferidos continuamente para o exterior. Segundo, porque ao adiantar o pagamento da dívida com o FMI, o governo federal nada mais fez que converter uma dívida em dólares (mais barata porque baseada nas taxas de juros internacionais) em títulos da dívida interna em reais, que tem uma das taxas de juros mais altas do mundo e que é fixada pelo próprio governo.

Suas conseqüências históricas

O governo se diz liberto do FMI, mas, continua seguindo religiosamente sua cartilha ortodoxa. Todos os esforços para a manutenção de crescentes níveis de Superávit Primário (o saldo entre receitas e despesas fiscais), para o pagamento de juros da dívida pública, impedem a elevação de investimentos na área social. Ao mais badalado programa social do governo, o Bolsa Família , são destinados recursos bem abaixo de R$ 10 bilhões, enquanto para o pagamento de juros da dívida pública o governo reserva mais de R$ 160 bilhões anualmente. A diferença é brutal.

O fluxo contínuo de dólares para o exterior, para o pagamento de juros intermináveis, exige como contrapartida a necessidade do exportar ou morrer . Mas, a forma para se alcançar os atuais patamares de exportações, tão alardeados na divulgação de cada recorde de superávit (saldo positivo) na Balança Comercial brasileira, tem sido decidida nas mesas de renegociação da dívida externa com o FMI, o BM. Por exemplo, a cada acordo internacional da dívida, são exigidas cláusulas de livre comércio e a quebra das proteções não tarifárias: como a desregulação das relações de trabalho e a flexibilidade no controle ambiental, seja para a ampliação de antigos projetos, seja na implantação de novos empreendimentos agropecuários e industriais pelas empresas estrangeiras em nosso País.

O governo federal tem sido elogiado pelos presidentes dos Estados Unidos e da Inglaterra por estar cumprindo o seu papel direitinho. A liberação do plantio de produtos transgênicos, mesmo sob protestos de vários segmentos da sociedade, para atender aos interesses das multinacionais que detêm sua patente (e, portanto, direito aos royalties pelo uso das sementes geneticamente modificadas), é apenas uma ilustração de um extenso processo de intervenção externa na definição das políticas públicas de desenvolvimento e na forma de administração dos serviços públicos essenciais. A pressão externa para o governo seguir com as privatizações significa a transferência de patrimônio para grandes conglomerados multinacionais e a entrega aos grupos estrangeiros de áreas estratégicas para o desenvolvimento econômico e social. Com a privatização, estão nas mãos das multinacionais a exploração mineral e energética, bem como as telecomunicações, cujas conseqüências têm sido a elevação dos preços e das tarifas, mas, também, a transferência para o estrangeiro das decisões sobre o padrão tecnológico e os investimentos estratégicos, assim como sobre a utilização de nossos recursos naturais: notadamente no caso das reservas de água e das jazidas minerais, sejam os metálicos, ou o próprio petróleo e o gás-natural.

BM como braço de controle e dominação

Um documento divulgado recentemente pela Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais (REDE BRASIL, 2006) demonstra como o Banco Mundial (BM) associa seus empréstimos de cooperação à intervenção nas políticas públicas dos países dependentes. Para ilustrar o argumento central do referido documento, é recuperado o item 14 do Manual de Operações do BM, onde fica explícita a forma como o banco trata as prioridades das políticas de livre comércio, mesmo quando estas signifiquem grandes impactos ambientais. Na seqüência, o item citado é comentado no documento como segue.

[14.] ‘[A] liberalização comercial pode estimular o desmatamento ou a pesca predatória ( overfishing ). Nos casos em que existirem tais vínculos negativos [entre programas de ajuste estrutural e objetivos de proteção ambiental] a resposta não é adiar a estabilização ou o programa de ajuste, mas sim conceber medidas específicas, tais como leis florestais e de atividades de pesca que sejam sensatas, a fim de contrabalançar os possíveis efeitos negativos.|ASPAS|

Como se vê, na visão tradicional do BM sobre o desenvolvimento, ameaças ao meio ambiente resultantes de atividades comerciais não devem representar limites a reformas que apóiem o crescimento econômico. Na visão do BM, os possíveis riscos ao meio ambiente, resultantes de atividades econômicas, não devem ser completamente prevenidos e sim apenas contrabalançados por certas medidas mitigatórias dos danos causados (REDE BRASIL, 2006, 2).

Essa abordagem do BM tem sido intensificada nas últimas décadas, quando as diretrizes do banco passam a determinar suas linhas de intervenção mais direta nas políticas públicas internas dos países tomadores de empréstimos junto as suas agências, explicitando suas orientações.

 

A partir de meados da década de 1990, quando James Wolfensohn tomou posse como presidente da instituição, essa atuação do BM ganhou um complemento importante. Passou a ser dada especial ênfase ao processo, idealizado por Wolfensohn, de fazer o Banco funcionar não apenas como uma organização financeira, mas também como “banco de conhecimentos” ( knowledge bank ). Isto significava que o BM passaria a investir recursos expressivos na geração, organização e administração do fluxo de idéias, dados e informação, com o intuito de tentar dominar a produção de conhecimentos técnicos especializados, relacionados aos projetos financiados pela instituição. Tal influência sobre o conteúdo e aplicação de conhecimentos técnicos especializados, obviamente, tem a intenção final de direcionar e assegurar a implementação eficaz de reformas de políticas públicas apoiadas pelo Banco por meio de financiamentos (REDE BRASIL, 2006, p. 2).

A fim de avaliar as relações recentes do BM com o Brasil, o documento da Rede Brasil (2006) segue centrando sua análise nos condicionantes ambientais dos contratos de empréstimos tomados pelo País, que “estranhamente” fizeram parte dos acordos de ajuste estrutural voltado para garantir a continuidade da política macroeconômica do governo Lula.

 

O empréstimo concedido ao Brasil, aprovado pelo BM em 2004, tinha como objetivo básico promover um “ajuste estrutural”, sendo por isso um exemplo da modalidade “Empréstimo de Ajuste Estrutural” (em inglês, Structural Adjustment Loan – SAL). Isto significava que esta operação de 2004 estava destinando todos os recursos do empréstimo diretamente ao Tesouro Nacional do Brasil, para equilibrar a contas do governo e assim ajudar a criar um ambiente macroeconômico favorável à expansão de mercados. Contudo, estranhamente, o empréstimo tinha, ao mesmo tempo, amplas “condicionalidades” ambientais, ou seja, grandes objetivos ou “metas” de reforma da política ambiental brasileira impostos como “condições” da obtenção do crédito. E, por ter condicionalidades ambientais e ser ao também um empréstimo de ajuste estrutural, ele ficou conhecido, entre os técnicos brasileiros, como “SAL Ambiental” (nome parcialmente derivado da sigla em inglês).

Apesar de o Ministério do Meio Ambiente (MMA) não receber qualquer centavo do empréstimo para “investimentos” (realização de obras, aquisição de equipamentos e material etc.), as metas do “SAL ambiental” referiam-se a reformas amplas, a serem efetuadas em leis e regras nas seguintes áreas da política ambiental brasileira:
A)  Sistema de Gerenciamento Ambiental (incluindo procedimentos de licenciamento ambiental);
B)  Agenda Verde (incluindo políticas referentes à Mata Atlântica);
C)  Agenda Marrom (políticas sobre produtos químicos perigosos);
D)  Agenda Azul (políticas de gestão da água de bacias hidrográficas); e
E)  Inserção da sustentabilidade ambiental em setores governamentais selecionados, incluindo:
i) – Desmatamento da Amazônia e gerenciamento de problemas correlatos decorrentes da construção da estrada BR-163;
ii) – Programa de Desenvolvimento da Amazônia Sustentável;
iii) – Saneamento e o Prodes – Programa de Despoluição de Bacias Hidrográficas, abrangendo os procedimentos de certificação da compra, pelo governo, de esgoto tratado;
iv) – Integração do zoneamento ecológico-econômico aos Planos de Desenvolvimento Regional;
v) – Programa de revitalização da bacia do rio São Francisco;
vi) – Avaliação estratégica ambiental para o setor de energia hidrelétrica;
vii) – Simplificação de procedimentos para o licenciamento ambiental de ocupação do campo;
viii) – Criação de um sistema de avaliação e monitoramento para o Plano Nacional de Turismo. (REDE BRASIL, 2006, p. 3)

A ilustração acima demonstra nitidamente algumas das formas de intervenção das agências multilaterais controladas pelos Estados Unidos nas políticas internas dos países tomadores de empréstimo. Ela serve também para sustentar a nossa argumentação de que, mesmo que se pague religiosamente a dívida contraída, os condicionantes extra-financeiros que fazem parte dos contratos têm seus efeitos perpetuados, podendo alcançar a qualidade de vida das gerações futuras.

Outra ponta da dependência

Em sua posição geopolítica estratégica o Brasil cumpre um papel decisivo como plataforma de realização dos interesses das grandes potências capitalistas na América Latina. Ao contrário da propaganda oficial, a política externa brasileira continua subordinada aos planos definidos nas agências internacionais de fomento, que determinam os patamares da transferência de riquezas continentais, com base no extrativismo dos recursos naturais e na superexploração do trabalho, com grandes impactos na degradação ambiental e repercussões dramáticas sobre a vida social. O Brasil é signatário da Iniciativa de Integração da Infra-Estrutura Regional da América do Sul (IIRSA), plano financiado pelo BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) e pelo Banco Mundial (BM), para intervenção física em diversos países da região, tendo em vista um novo regionalismo , baseado na promoção de investimentos privados estrangeiros.

Nessa condição, o Brasil cumpre rigorosamente sua função subimperialista, colocando as empresas estatais (BNDES, Petrobrás, Eletrobrás etc.) a serviço dos interesses do grande capital multinacional que opera no território latino-americano. A IIRSA procura promover a integração física da América Latina, fomentando projetos de infra-estrutura (Transportes, Energia e Telecomunicações), visando criar as condições para a consolidação dos Tratados de Livre Comércio (TLC), a partir dos quais são projetadas para a região a produção de insumos básicos e à montagem de kits industriais pré-fabricados destinados à exportação. Na linha de suas atribuições, dentro dos pactos formalizados na IIRSA, as empresas estatais brasileiras promovem investimentos como qualquer outra empresa privada na América Latina, inclusive sem respeitar os condicionantes ambientais exigidos pela legislação brasileira para os investimentos no Brasil, servindo de plataforma para a realização dos interesses estratégicos do grande capital sediado nos países centrais.

Assim, o Brasil pode mesmo se tornar uma potência energética, como alardeiam as propagandas na grande mídia. Mas, isso pouco favorece ao povo brasileiro, ou aos demais povos da América Latina. A produção de hidrelétricas nos rios da Amazônia está muito mais ligada aos interresses das grandes mineradoras multinacionais instaladas na região, que precisam de uma elevada quantidade de energia, a baixo custo, para o processamento industrial das reservas minerais ali localizadas. A construção de grandes represas também interessa ao acordo da IIRSA, ao possibilitar a criação de hidrovias na Amazônia, o que facilitaria o acesso às áreas daquele território ainda não exploradas pelo capital. Não interessa a utilização ambientalmente sustentável da Amazônia, interessa mais a produção para abastecer a grande indústria multinacional com insumos baratos, a partir dos Tratados de Livre Comércio.

Da mesma forma, o biodiesel pode potencializar a produção alternativa de energia, como divulga a propaganda eleitor

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